Publicado em: 31/01/2019
Atingidos dos municípios de Rio Doce e Santa Cruz do Escalvado participaram, em janeiro, da primeira oficina ministrada pelo professor Aderval Costa Filho e sua equipe. Este foi o início de um trabalho que terá como resultado final o mapeamento dos faiscadores e demais povos e comunidades tradicionais impactados do território.
As oficinas ocorreram em Rio Doce e Santa Cruz do Escalvado, onde foram abordados importantes temas como, Conceitos de Tradicionalidade, Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais, Vínculo Territorial, Organização Social, Expressões Culturais, Ancestralidade, Políticas Públicas, Caracterização de Desastre, dentre outros.
Durante as oficinas foram realizadas algumas atividades com a participação dos atingidos. Em grupos, eles explanaram os principais problemas enfrentados após a chegada da lama, mudanças no modo de vida e a busca por soluções. Os atingidos contaram suas histórias com o Rio, descreveram técnicas de faiscação e por fim, fizeram apresentações culturais.
“A comunidade deve estar unida, ter foco e determinação. O entendimento que estamos trazendo sobre povos tradicionais ajudará no processo de diálogo e numa negociação mais justa. Não é hora de colocar as diferenças em primeiro plano. A comunidade deve estar coesa, para não ter mais prejuízos neste momento de definição do que sejam os danos para fins de reparação e indenização”, ressaltou o professor Aderval.
O mapeamento ainda passará por outras etapas: visitas às comunidades para coleta de dados quantitativos e qualitativos; consolidação e tratamento dos dados; elaboração de relatório final preliminar e devolução dos resultados às comunidades e atores locais/regionais, com possibilidade para complementação de dados; elaboração e entrega de relatório final ou Laudo Pericial, constando também os subsídios para a construção do Plano de Reparação e Sustentabilidade das comunidades e de seus modos de vida. A previsão é que os trabalhos sejam concluídos em novembro.
Principais problemas apontados pelos grupos:
- Desconhecimento sobre a composição da lama, da poeira e da água. Impossibilidade de ter contato direto com o Rio;
- Desemprego. Muitas pessoas obtinham renda através do Rio, agora estão desempregadas. Algumas tiveram que mudar da cidade em busca de emprego e hoje ficam longe da família;
- Medo do desemprego. Os trabalhadores contratados pelas empreiteiras estabelecidas no território são dispensados sempre que uma etapa de obra é finalizada. Com isto, eles precisam cadastrar seus currículos em outras empresas e aguardarem novas entrevistas. Esta situação causa muita ansiedade e insegurança para o trabalhador e sua família;
- Fim do extrativismo de lenha, areia, cascalho e pedra de mão. Muitos moradores utilizavam estes produtos como matéria prima para construção de suas casas. Hoje, precisam comprar e por um preço bem alto, pois vem de outros municípios;
- O Rio oferecia lazer (proporcionava espaço para nado, acampamentos, pique niques, confraternizações e passeio de barco). Hoje, com a água e peixes suspeitos de contaminação, estes momentos perderam o sentido.
- Vários problemas de saúde surgiram com a lama: alergias e problemas psicológicos (depressão e outros).
- A presença de pessoas de outras regiões e com costumes diferentes, que chegaram para trabalhar nas obras, trouxe insegurança para a população local, tirou o sossego. Como exemplo, os menores não tem a mesma liberdade como antes. Os idosos estão passando mais tempo em casa, com redução do convívio social;
- Aumento do custo de vida dos moradores do território. Com a ampliação do número de pessoas nos municípios, os produtos do comércio local e os aluguéis aumentaram consideravelmente.
- Surgiram muitos problemas com o Auxílio Financeiro Emergencial (AFE). Os primeiros cadastros, elaborados pela Samarco e Fundação Renova, não atenderam as expectativas do território. Os primeiros auxílios emergenciais foram distribuídos sem critérios, o que trouxe transtornos e até inimizades. O fato também dificulta o trabalho das Comissões.
- Prejuízos para os produtores rurais ribeirinhos. Falta água para irrigar os plantios; houve perda de animais, plantações e terrenos;
- Medo de comprar e consumir os peixes do território;
- Dúvidas sobre quais atividades econômicas futuras vão garantir o sustento das famílias do território;
- Trânsito intenso de caminhões e máquinas pesadas ocasionando desgaste maior das vias públicas, o que demanda uma manutenção frequente. Esta movimentação abalou e causou trincas em moradias do território;
- Morte de muitas espécies de peixes, o que prejudica a biodiversidade do território;
- Interrupção de histórias;
- Danos morais;
- As famílias do território deixaram de receber visitas dos parentes que moram em outros municípios;
- As parcerias entre pescadores e faiscadores acabaram. A presença da lama no Rio impossibilita a pesca e a faiscação;
- Dificuldades para adaptar aos novos modos de vida;
- Os atingidos sofrem preconceitos por lutarem pelos seus próprios direitos;
- Poluição sonora com o trânsito de máquinas pesadas e caminhões;
- Interrupção do transporte da balsa, principalmente na Festa de Santana;
- Depósitos de rejeitos em comunidades;
- Perda de contratos de arrendamento de terras.
Quem são os Povos e Comunidades Tradicionais?
“Povos e Comunidades Tradicionais podem ser entendidos como grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição” (Art. 2º - Lei 21.147/14).
Legislação
A identificação das comunidades e povos tradicionais no território será realizada de acordo com os critérios do Decreto Federal Nº 6.040/2007, Lei Estadual Nº 21.147/2014 e Convenção 169 da OIT.
As políticas públicas voltadas para os Povos e Comunidades Tradicionais são recentes no Brasil e tiveram como marco a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que foi ratificada em 1989 e trata dos direitos dos povos indígenas e tribais no mundo.
Os povos tradicionais passaram a integrar a agenda do governo federal em 2007, por meio do Decreto 6040, que instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT), sob a coordenação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) da Presidência da República.
De acordo com o Decreto 6040, os povos e comunidades tradicionais são definidos como "grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos por tradição".
Entre os povos e comunidades tradicionais do Brasil estão quilombolas, ciganos, matriz africana, seringueiros, castanheiros, quebradeiras de coco-de-babaçu, comunidades de fundo de pasto, faxinalenses, pescadores artesanais, marisqueiras, ribeirinhos, varjeiros, caiçaras, praieiros, sertanejos, jangadeiros, ciganos, açorianos, campeiros, varzanteiros, pantaneiros, caatingueiros, entre outros.
Nesse contexto, a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT) tem por objetivo reconhecer formalmente a existência e as especificidades desses segmentos populacionais, garantindo os seus direitos territoriais, socioeconômicos, ambientais e culturais, sempre respeitando e valorizando suas identidades e instituições.
Fonte: http://http://www.seppir.gov.br/comunidades-tradicionais/o-que-sao-comunidades-tradicionais
Chopotó:
As oficinas da comunidade rural do Chopotó (Ponte Nova) serão realizadas nos dias 09, 10 e 11 de fevereiro. O local será a Câmara Municipal de Ponte Nova.