Pagamento do AFE segue sem definição e Renova tenta enquadrar IPCTs no PG21

Publicado em: 30/08/2024

Para cobrar explicações da Fundação Renova sobre o Auxílio Financeiro Emergencial (AFE) para as pessoas atingidas de Rio Doce, Santa Cruz do Escalvado e Chopotó, os representantes dos faiscadores(as) Geraldo Felipe dos Santos e Antônio Áureo do Carmo, participaram na 59ª Reunião Ordinária da Câmara Técnica de Indígenas e Povos e Comunidades Tradicionais (CT-IPCT), realizada nos dias 22 e 23 de agosto, em Belo Horizonte. 
 
A CT-IPCT, órgão que monitora e fiscaliza os Programas 03 - Proteção e recuperação da qualidade de vida dos povos indígenas e 04 - Qualidade de vida de outros povos e comunidades tradicionais da Fundação Renova, no processo de reparação do rompimento da barragem de Fundão (2015), reuniu representantes da Secretaria da Presidência da República, Ministério dos Povos Indígenas-MPI; Ministério do Desenvolvimento Agrário-MDA; Funai; Defensoria Pública da União-DPU e Fundação Renova. 
 
Dentre as assessorias técnicas independentes que atendem a povos e comunidades tradicionais estavam presentes o Centro Alternativo de Formação Popular Rosa Fortini, dedicada ao território de Rio Doce, Santa Cruz do Escalvado e Chopotó-MG e a Associação dos Pescadores e Extrativistas e Remanescentes do Quilombo do Degredo (ASPERQD), responsável pelo Quilombo do Degredo, localizado no município de Linhares–ES.
 
59ª Reunião Ordinária da CT-IPCT ocorreu no Hotel Boulevard Plaza. Foto: Mariana Duarte
 
Durante a reunião, foram relatados vários problemas e dificuldades de acesso ao AFE à Fundação Renova. Foi questionado o motivo da Deliberação 769 do Comitê Interfederativo (CIF), publicado em março deste ano, não estar sendo cumprida, uma vez que muitas pessoas atingidas deste grupo continuam sem acesso ao AFE. Esta deliberação define os parâmetros para a identificação e cadastro de acesso ao AFE de famílias atingidas pertencentes a povos indígenas, quilombolas e povos e comunidades tradicionais. 
 
A Fundação Renova afirmou que o AFE dos indígenas e povos e comunidades tradicionais deve ser discutido com o de outras pessoas no PG21-AFE, enquadrando os IPCTs na mesma situação de outras comunidades atingidas, desconsiderando suas tradicionalidades e a própria Deliberação 769 do CIF. Nesse sentido, enquadrar os IPCTs no PG21 seria uma perda para estas pessoas atingidas, uma vez que para participar desse programa, o(a) atingido(a) precisa ter um número de comprovantes maior e cumprir diversos requisitos para comprovar que sua renda foi comprometida em razão do rompimento da barragem de Fundão.
 
É importante lembrar que o Comitê Interfederativo (CIF) reconhece os(as) faiscadores(as) como comunidade tradicional nos territórios do Rio Doce, Santa Cruz do Escalvado e Chopotó; por isso, é enquadrado no PG04, que trata sobre a “Qualidade de vida de outros povos e comunidades tradicionais”. Nesse programa, o objetivo geral é “mitigar, reparar, recuperar e compensar” os danos do rompimento nessas comunidades.
 
Técnicos da ATI Rosa Fortini e representantes dos(as) faiscadores(as) discutindo estratégias. Foto: Mariana Duarte
 
Para o advogado da ATI Rosa Fortini, Renzyo Costa, enquadrar as pessoas do território do Rio Doce, Santa Cruz do Escalvado e Chopotó no PG21 é desconsiderar a tradicionalidade e ainda dificultar o acesso ao AFE. 
 
“A reparação dos prejuízos  decorrentes do rompimento da barragem do Fundão para os(as) faiscadores(as) deve observar e respeitar  a tradicionalidade  do conhecimento; modo de organização do trabalho e utilização do território para faiscação, características que podem ser relatadas e comprovadas a partir da autodeclaração das integrantes dessa comunidade tradicional. Aplicar critérios genéricos que não levem em consideração  as especificidades desse ofício tradicional representa dificultar o acesso e diminuir as opções de comprovação de abalo a renda para um segmento populacional historicamente secundarizado no planejamento das atividades econômicas e de políticas públicas, negando o reconhecimento automático de atendimento de requisitos e critérios deste programa pelos IPCTS, reduzindo possibilidades de reparação justa e integral que contrariam a Convenção 169 da OIT e o TTAC”, analisa.
 
Listagem das famílias
 
Ainda durante a realização da 59ª Reunião Ordinária da CT-IPCT, os representantes dos faiscadores(as) pediram uma devolutiva da Fundação Renova sobre as listas com informações atualizadas das famílias de Rio Doce, Santa Cruz do Escalvado e Chopotó, enviadas em julho de 2024. A Fundação Renova, porém, não apresentou nenhuma explicação compreensível sobre critérios adicionais e correções de listas já encaminhadas. Além disso, manifestaram ainda a intenção de encaminhar a demanda para a Câmara Técnica de Organização Social e Auxílio Emergencial (CT-OS).
 
Os representantes dos faiscadores manifestaram repúdio a mais um posicionamento evasivo e vazio de soluções da Fundação Renova, pedindo pelo cumprimento integral da Deliberação 769/CIF. Além disso, destacaram que o AFE dos faiscadores tradicionais deve ser via PG04 (Qualidade de vida para outros povos e comunidades tradicionais).
 
Para o membro da Comissão de Atingidos de Santa Cruz do Escalvado, Geraldo Felipe dos Santos, mais conhecido como Tuzinho, que estava presente nessa reunião, o descumprimento da Renova sobre o pagamento do AFE tem deixado as pessoas do território ansiosas.
 
“Na RO passada fizemos um pedido para que aquelas pessoas da lista que já estivesse tudo ok, que eles já fossem pagando e aquelas que tivesse algum problema que mandasse para a gente, para fazer a correção, mas eles não fizeram isso. Eles estão segurando. Eles descumpriram a 769 e 801 [Deliberações do CIF] e até hoje não efetuaram o pagamento e as pessoas estão ansiosas para receber esse AFE”, explica.
 
Representante da Comissão de Atingidos de Santa Cruz do Escalvado, Geraldo Felipe dos Santos, mais conhecido como Tuzinho. Foto: Mariana Duarte
 
Antônio Áureo, da Comissão de Atingidos do Rio Doce, que também estava na 59ª reunião, avalia que há uma contínua negativa de direitos. Além disso, esse diz que as empresas não deixam claro o futuro desse pagamento do AFE.
 
“A gente percebe que, infelizmente, as empresas e a Fundação Renova, elas usam estratégias e é fato que, até para financiar conflitos, e frustrar a expectativa da gente conseguir alguma coisa para o nosso povo, no tratamento igualitário. Quando as coisas estão caminhando, progredindo, ela judicializa. Agora com o fortalecimento do sistema CIF, mas mesmo assim, ela continua negando os direitos, quando ela não cumpre os prazos. A gente percebe atualmente uma estratégia de atrasar o processo. Não fala que vai cumprir, mas também não fala que vai cumprir”, pontua.
 
Representante da Comissão de Atingidos de Rio Doce, Antônio Áureo Carmo. Foto: Mariana Duarte
 
Entenda o caso da listagem
 
O trabalho de corrigir estas listas iniciou após o CIF publicar, em março, a Deliberação 769, que na alínea ‘d’ pedia que as Comissões de Atingidos elaborassem uma listagem das famílias, quando envolvesse indígenas, quilombolas e povos e comunidades tradicionais, incluída a dos(as) faiscadores(as), para acessar o AFE. 
 
As indagações à Fundação Renova sobre o pagamento do AFE já haviam sido feitas durante a 58ª Reunião Ordinária da CT-IPCT, realizada em Conceição da Barra-ES, no dia 21 de junho. Na ocasião, a Renova informou que havia uma lista com nomes que a região de Rio Doce, Santa Cruz do Escalvado apresentavam pendências no preenchimento de dados. Os representantes dessas comunidades pediram o encaminhamento destas listas para correção e que, munida dos dados, a Renova iniciasse o pagamento das pessoas.
 
No dia 24 de junho deste ano, a CT-IPCT enviou ofício para a ATI Rosa Fortini demandando a correção destas listas, trabalho realizado em parceria com as Comissões de Atingidos. Em 12 de julho, a lista de Santa Cruz do Escalvado foi enviada, já a lista do Rio Doce, foi enviada no dia 15 de julho.
 
Em agosto, a Fundação Renova notificou os membros da Comissão de Atingidos que havia recebido os nomes da lista e que estes haviam sido submetidos à análise do PG21 e ressaltou que alguns nomes precisavam sanar algumas inconsistências. Na notificação, a Fundação Renova não afirmou, em momento nenhum, que se recusa a fazer o pagamento, porém, não há qualquer indicação, por parte da entidade, que o pagamento do AFE será efetuado.
 
Segundo o advogado da ATI Rosa Fortini, Renzyo Costa, a Fundação Renova alterou o entendimento sobre a questão do cadastro. “As representantes das pessoas atingidas de Rio Doce; Sta. Cruz do Escalvado e Chopotó (Ponte Nova) e a ATI Rosa Fortini identificaram e denunciaram que a Fundação Renova alterou entendimento sobre forma de atendimento no cadastro sem uma consulta livre, prévia e informada às representações dos(as) faiscadores(as) na CT-IPCT sucedido por um posicionamento desta câmara técnica, não oferecendo um tempo hábil para que essas representações dialogassem com as comissões municipais sobre essas mudanças”, explica.
 
Ele ainda acrescenta que a situação levou a ATI a pedir aplicação de multa por descumprimento de deliberações do CIF e avalia ainda que isso pode gerar adiamento do pagamento do auxílio:  “Essa constatação  motivou que a assessoria pedisse ao CT IPCT um pedido de aplicação de multa  pelo CIF em desfavor da Fundação Renova por mais um descumprimento da deliberação 769, assim como o acionamento da Advocacia Geral da União para que analise o caso e possa tomar as medidas jurídicas cabíveis  nessa situação junto ao Poder Judiciário. Esse procedimento arbitrário da Renova pode representar um adiamento do início de pagamento dos (as) faiscadores (as), agravado o prejuízo com o abalo da renda que enfrentam desde novembro de 2015”.
 
CT-IPCT no Encontro da Bacia
 
O Encontro da Bacia do Rio Doce e Litoral Norte Capixaba cujo objetivo era eleger pessoas atingidas que irão compor as instâncias do Sistema de Governança e Participação Social previsto no TAC- Gov, foi um momento de disputa e luta para membros da Câmara Técnica de Indígenas e Povos e Comunidades Tradicionais (CT-IPCT). Durante a reunião desta CT, no dia 23, foi decidido a não participação do grupo no processo eleitoral previsto.
 
Os representantes de povos e comunidades tradicionais com participação na CT-IPCT afirmam que o motivo para não participação, é que desde o planejamento do Encontro da Bacia aconteceram sérios conflitos sobre representatividade, destacando, inclusive, desrespeito à consulta prévia, direito garantido pela Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Desta forma, não houve eleição de novos membros para a CT-IPCT, permanecendo a mesma configuração de membros/representantes. 
 
Como alternativa para solucionar o conflito, durante o Encontro da Bacia, os representantes de povos e comunidades tradicionais participantes da CT-IPCT iniciaram diálogo com o Procurador da República, Dr. Felipe Augusto de Barros Carvalho Pinto, do Ministério Público Federal para  a reivindicar a organização de um Encontro de Bacia apenas para indígenas e povos e comunidades tradicionais, respeitando as tradicionalidades que esse grupo reúne.
 
Repasse às comunidades
 
Na noite da última quinta-feira (29), as Comissões de Atingidos e Atingidas de Rio Doce e Santa Cruz do Escalvado estiveram reunidas nos escritórios da ATI Rosa Fortini para receber os repasses do ocorrido durante a 59ª Reunião Ordinária da Câmara Técnica de Indígenas e Povos e Comunidades Tradicionais (CT-IPCT) e Encontro da Bacia do Rio Doce e Litoral Norte Capixaba.
 
ATI Rosa Fortini em reunião com membros da Comissão de Atingidos e Atingidas. Foto: Mariana Duarte
 
Os presentes puderam perguntar sobre os desdobramentos da 59ª Reunião Ordinária da CT-IPCT e como proceder com os questionamentos das pessoas atingidas sobre a Listagem das Famílias Faiscadoras.
 
 
Texto: Mariana Duarte (Comunicação ATI Rosa Fortini)

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