Atos em Rio Doce e Santa Cruz emocionam e marcam 3 anos do crime ambiental
Publicado em: 06/11/2018
Atos realizados pelas Comissões de Rio Doce e Santa Cruz do Escalvado durante toda a segunda-feira (5) emocionaram e marcaram os três anos do crime socioambiental que matou 19 pessoas, desabrigou mais de 200 famílias e devastou vidas pelos mais de 800 km por onde a lama passou. Mesmo com a chuva, mais de 500 pessoas participaram das ações nos respectivos municípios.
Os atos começaram por volta das 14h, em dois pontos nas respectivas cidades: na praça do Jardim, em Rio Doce; e no Centro Comercial de Nova Soberbo, em Santa Cruz do Escalvado. Nesses locais, foi realizado um varal de fotos levadas por moradores das cidades para relembrar o Rio Doce antes de ser atingido pela lama.
Penduradas, as fotos retratavam a pesca de lazer e de subsistência, o garimpo com balsa e artesanal, trabalho de mutirão para retirada de areia e cascalho para construção de casas, uso da lenha, comemorações de aniversários à beira do Rio, acampamentos, momentos de lazer com familiares, mulheres lavando roupas e muitas pessoas se refrescando. Neste espaço, os atingidos tiveram a oportunidade de socializarem suas histórias.
Cartazes feitos pelos alunos da Escola Estadual Maria Amélia exaltando as riquezas do Rio Doce e cruzes em memória às vítimas do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), foram exibidos durante as ações. Às 16h20, foi disparada uma sirene em alusão ao momento exato da tragédia, ocorrida no dia 5 de novembro de 2015.
Em seguida, carregando à frente cruzes com os nomes das vítimas do desastre ambiental, moradores de Rio Doce e de Santa Cruz do Escalvado caminharam até o quiosque (Parque Linear de Santa Cruz do Escalvado), onde se encontraram e realizaram outras atividades. As cruzes foram fincadas em círculo e em área aberta, onde os atingidos deram as mãos e fizeram uma oração.
Foram realizadas apresentações culturais pelos alunos do município de Rio Doce, além da leitura de um tocante texto pela professora Helena da Silva Lopes, idealizadora do ato. A música Lama sem Alma, de Edu Krieger, foi entoada e sua letra (leia abaixo) comoveu os presentes.
O ato, que foi encerrado por volta das 19h, ainda foi palco de orações e relatos de diversos envolvidos, como dos integrantes das comissões de Rio Doce, Antônio Áureo, e de Santa Cruz do Escalvado/Chopotó, Antônio Carlos Silva; do policial reformado Sargento Afonso; e do coordenador jurídico da Assessoria Técnica Rosa Fortini, Domingos Araújo.
'O Rio nunca será o mesmo'
Além das 19 vítimas, o desastre, considerado o maior crime ambiental do país, prejudicou a vida de moradores de 44 municípios, de Minas Gerais ao Espírito Santo. Em destaque, Rio Doce e Santa Cruz do Escalvado, que fazem parte da Área Ambiental I juntamente com Mariana e Barra Longa, os municípios mais atingidos.
A atual situação do Rio Doce foi lamentada por quase todos. Um Rio caudaloso, cheio de vida, que abrigava muitas espécies de peixes, oferecia possibilidades de garimpo, belas paisagens, considerado um “pai” para os moradores ribeirinhos, agora sem vida, com o fundo “cimentado” de lama, água suspeita de contaminação e sem aquela beleza de sempre admirada por moradores e visitantes.
“O Rio nunca mais será o mesmo” foi a frase mais citada pelos moradores. Como existia um número grande de pessoas que dependiam do Rio para subsistência, a preocupação do momento é com o futuro do território. Os moradores questionam as ações da Fundação Renova, que deveriam ser elaboradas visando à recuperação das possiblidades de trabalho que o Rio oferecia. Faltam informações sobre os programas socioambientais e socioeconômicos. O que se sabe é que eles, inicialmente, foram construídos sem a participação dos maiores interessados, os atingidos. Algumas ações que se tem conhecimento não se enquadram à realidade local, outras foram descontinuas.
Outro problema enfrentado pelos moradores de Rio Doce e Santa Cruz do Escalvado é o transtorno causado pelas obras realizadas no lago da UHE Candonga. A movimentação de caminhões e o aumento do fluxo de pessoas nos municípios mudaram a rotina dos moradores. O custo de vida aumentou consideravelmente no território. Como exemplo, antes casas alugadas por R$ 500 hoje tem mensalidade de R$ 1,5 mil. Com a chegada de várias empresas que prestam serviços para a Fundação Renova, a procura por imóveis aumentou muito nos últimos três anos. A obra também acarreta novos danos ambientais.
“Dinheiro nenhum paga o estrago que fizeram no Rio”: outra frase também foi bastante citada entre os atingidos. O valor sentimental é notório no território. O desastre ambiental trouxe muita tristeza, interrompeu histórias de gerações, de povos e comunidades tracionais e fez com que as recordações dos velhos e bons tempos viessem à memória dos atingidos. Um cotidiano tranquilo, saudável, sociável e que sem o Rio Doce fica difícil de recuperar.