As imagens acima foram compartilhadas ao longo deste mês pelas redes sociais e assustam pela mudança drástica do cenário. A coloração lindíssima do azul do Rio Doce, na altura da Usina de Candonga, desapareceu e se tornou marrom, tomado pela lama. As fotos foram disseminadas pelo pescador Juliano Conegundes e aguça a memória de quem sempre viveu com a abundância do leito que trazia lazer e o ganha-pão.
“Eu lembro muito bem quantas famílias tiravam seu sustento do rio. Algumas delas não fizeram outra coisa na vida, a não ser tirar ouro. Muitas vezes, enquanto o marido faiscava, a mulher e os filhos pescavam para garantir o sustento", relembra, emocionado, Antônio Carlos da Silva, integrante da Comissão de Santa Cruz do Escalvado. "Nos dias de domingo, o rio oferecia lazer natural para as famílias, isto dinheiro nenhum paga. Hoje o fundo do Rio virou um cimento, não temos mais como faiscar. As mineradoras retiraram da gente o direito de fazer o que gostamos”, completa.
Antônio Carlos da Silva (Jean Gomes/Assessoria Rosa Fortini)
“Nem ouro, nem peixe. Tirávamos areia, cascalho, lenha... Agora o rio acabou para nós. Um dia antes da lama chegar, eu estava pescando sozinha e já estava com a mochila cheia de peixes. De uma hora pra outra, comecei a passar mal e fui até a policlínica. Isto nunca havia me acontecido. Chegando lá, mediram minha pressão, me consultaram e me disseram que os exames estavam bons. Depois fui entender. Foi a mão de Deus, porque se eu fosse para o mesmo local no outro dia a lama teria me levado”, conta a pescadora e faiscadora Dejanira da Silva Rocha, também da comissão.
Dejanira da Silva Rocha (Jean Gomes/Assessoria Rosa Fortini)
“Comecei a garimpar com 12 anos, na companhia do meu pai. Íamos às segundas e voltávamos aos sábados. Andávamos no rio em busca de ouro por cerca de 8 quilômetros. Tirávamos muito ouro, tínhamos a banca e a ferramenta utilizada se chamava avião. Muitas vezes ia dando 3 horas da tarde e o rio enchia, aí parávamos de faiscar e íamos pescar. A comunidade Santana do Deserto [Rio Doce], onde moro, tem 283 anos”, diz Raimundo Ribeiro Filho.
José Ribeiro Neto, também de Santana do Deserto (Rio Doce), completa a fala do Raimundo. “Os moradores de Santana do Deserto são os mais atingidos, não temos sossego. No horário do almoço não temos nem como conversar, o barulho dos caminhões transitando incomoda muito. Mudou totalmente o nosso ambiente”.
Lama
“Temos medo de entrar na água, ela está contaminada. Quando vamos ao rio, voltamos de lá sentidos. Ele não dá mais chances pra ninguém. Nós já estamos idosas, mas a turma que está por vir não terá a mesma oportunidade que tivemos”, desabafa Terezinha Silverina de Souza, pescadora e faiscadora de Rio Doce.
Terezinha Silverina de Souza (Jean Gomes/Assessoria Rosa Fortini)
Geraldo Felipe, Tuzinho, de Santa Cruz do Escalvado, contou que recentemente um colega foi trabalhar com faiscação em um ponto do rio e teve que parar. “Ele teve alguns problemas de saúde, as mãos e os pés começaram a descascar, os olhos ficarem irritados, seu corpo encheu de manchas”. De acordo com o integrante da comissão, a atividade de faiscação no território tornou impossível.
Geraldo Felipe, o Tuzinho (Jean Gomes/Assessoria Rosa Fortini)
Sebastião Sílvio de Oliveira, conhecido como Tininho, do município de Rio Doce, também desabafou. “A Renova tem 3 anos que está aqui fazendo desordem. Só aquelas barragens que colocaram no meio do Rio, fizeram nosso Rio virar um estoque de lama. Ele nunca mais será o mesmo. Nunca tivemos outra fonte de trabalho no município. A Prefeitura sempre foi a maior empregadora, mas tem limite. Muitas pessoas saíram pra trabalhar fora, mas sempre que precisavam, o Rio estava aqui pra socorrê-los. Como forma se reativação econômica, participamos de palestras oferecidas pela Renova sobre criação de peixes em tanques, mas ficou só nisso”.
Sebastião Sílvio de Oliveira, o Tininho (Jean Gomes/Assessoria Rosa Fortini)