O juiz da 4ª Vara Cível e Agrária da Subseção da Justiça Federal de Belo Horizonte publicou, na primeira quinzena de agosto, três decisões importantes relacionadas ao cadastro mantido pela Fundação Renova (PG01 - Levantamento e Cadastro dos Impactados). As decisões tratam sobre atualizações no cadastro e segurança de dados fornecidos pelas pessoas atingidas, Ação Civil Pública (ACP) sobre mulheres, além das funções da perita Kearney.
No dia 6 de agosto, a primeira decisão (ID 1530094334) relacionada ao tema no denominado eixo prioritário nº 7, que trata sobre as indenizações e cadastro (proc nº 1000415-46.2020.4.01.3800), a Justiça Federal determinou que a Fundação Renova atualize, revise e corrija permanentemente os cadastros e a solicitações de cadastro que ainda estejam pendentes de finalização, a partir de requerimentos individuais já apresentados e os que ainda serão requeridos pelas pessoas atingidas, para ser possível incluir ou alterar toda e qualquer informação necessária para fundamentar a elegibilidade e permitir o acesso ao Auxílio Financeiro Emergencial (AFE), PIM e Novel, com a readequação do PG01 ao regramento da Lei Geral de Proteção de Dados - LGPD (Lei 13.709/2018).
Para execução dessa ordem, o magistrado determinou que a Fundação Renova apresente um plano de readequação do PG01 à LGPD no prazo de 60 dias, devendo suspender o tratamento de dados de pessoas atingidas durante esse período. A justificativa para essa ordem foi a identificação de diversas irregularidades no armazenamento, tratamento e compartilhamento de dados de pessoas atingidas pela Fundação Renova e pela perita Kearney, assim como a impossibilidade de revisão de dados das pessoas atingidas.
O julgador relembra que é direito da pessoa atingida o acesso e revisão de dados informados ao PG01 a qualquer tempo enquanto durar o processo reparatório, conforme disposto na LGPD e na cláusula 28 do TTAC (Termo de Transação e Ajustamento de Conduta). Além disso, o juiz apontou a destituição da empresa Kearney enquanto perita do eixo prioritário nº7, apontando ilegalidades na execução da função atribuída e falhas na gestão de dados de pessoas atingidas.
A Justiça Federal também proibiu que a Renova exija das pessoas atingidas a assistência de advogada (o) ou defensora pública (o) para acessar quaisquer programas reparatórios descritos no TTAC, em especial o PIM (PG02) e o AFE (PG21), determinando que a Renova faça ampla divulgação informando que o acesso aos programas do TTAC pode ser feito diretamente pelas pessoas atingidas.
No dia 14 de agosto, a decisão (ID 380000492445) voltou a abordar o PG01 - Levantamento e Cadastro dos Impactados, porém, sob o recorte das mulheres. O assunto foi levantado pela Justiça Federal, a partir de uma Ação Civil Pública (ACP) contra a Fundação Renova e as empresas Samarco, Vale e a BHP Billiton, movida pelas Instituições de Justiça (IJs), no dia 21 de junho. A ACP pede a reparação de vulnerabilidade das mulheres prejudicadas pelo rompimento da barragem de Fundão e consequentes ações de reparação conduzidas pela Fundação Renova. As IJs citam exemplos de danos específicos a esse público, como:
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Foi considerada para o PG01 apenas a figura masculina enquanto titular;
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Foram excluídas as atividades laborais tipicamente femininas das matrizes de danos;
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Dificuldades na revisão de cadastros;
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Desconsideração os danos à saúde física e mental;
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Violência doméstica agravada pelo desastre socioambiental, dentre outros.
A partir dos pontos levantados na ACP, a Justiça Federal determinou o acesso imediato das mulheres cadastradas na fase 1 ao AFE, PIM e Novel com as devidas alterações ou correções de informações para a correta adequação à categoria solicitada pela mulher. Também aboliu a discriminação entre titulares e dependentes de cadastro, para que as mulheres possam ter acesso aos seus dados de forma independente e autônoma, proibindo quaisquer discriminações que as impeçam de acessar e modificar alterações nos cadastros de forma direta, sem a necessidade de intermediadores e autorizações. Essas determinações devem ser implementadas em meio a revisão cadastral prevista na cláusula 28 do TTAC e readequação do PG01 à LGPD. Além disso, conforme a decisão do magistrado, essas modificações poderão ser realizadas de maneira progressiva, não devendo ser utilizadas como justificativa de paralisação completa das atividades da Fundação Renova.
Também no dia 14 de agosto, a Justiça Federal decidiu, no âmbito do eixo prioritário nº 7 (ID 1531599858), pela intimação da Fundação Renova para que apresente informações e comprovações documentais de requerimentos de cadastros pendentes de análise, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas.
Segundo a decisão, em caso de descumprimento dessa ordem, a entidade poderá ser penalizada com o pagamento de multa por ato atentatório à dignidade da Justiça e o Ministério Público Federal pode ser acionado para investigar eventual crime de desobediência à ordem judicial. O magistrado destacou ainda que a Renova tem sido reincidente em prestar informações incompletas e interpretar de forma enviesada as determinações da 4ª Vara da subseção judiciária de Belo Horizonte.
É necessário destacar que as decisões publicadas são de 1ª instância, e ainda podem ser questionadas pela Fundação Renova e pelas empresas Samarco/Vale e BHP Billiton por meio de recurso ao Tribunal Regional Federal da 6ª região - TRF6.
A ATI Rosa Fortini está atenta ao andamento dos processos judiciais referentes ao desastre socio-tecnológico da barragem do Fundão, compartilhando com as pessoas atingidas eventuais informações que tenham relevância para o contexto e interesses locais. Desta forma, continuaremos trabalhando em parceria com as pessoas atingidas do Território (Rio Doce, Santa Cruz do Escalvado e Chopotó-Ponte Nova) na concretização da participação informada.
Texto: Mariana Duarte (Comunicação ATI Rosa Fortini), com apoio de Renzyo Costa (Jurídico ATI Rosa Fortini)