A Prefeitura de Santa Cruz do Escalvado decretou situação de emergência na última segunda-feira (1) após a confirmação da segunda morte, em poucos meses, causada por febre maculosa. A ação tem como objetivo agilizar a liberação de recursos para que as providências necessárias para conter o avanço da doença seja tomada.
"Verificando-se uma situação epidemiológica atual distinta de surtos anteriores, na qual verificamos como variável marcante e complicadora a presença de grande número de capivaras, aparentemente em completo desequilíbrio populacional, dispersando e infestando a região e arredores com carrapatos, o que aumenta o risco de contato de animais domésticos e silvestres, bem como de humanos, com diferentes estádios evolutivos de carrapatos", afirma em laudo o médico veterinário Cláudio Lísias Mafra, especialista em febre maculosa há 30 anos.
"Alerta deve ser dado para a possibilidade de que carrapatos infectados sejam dispersados para outras regiões, o que poderia ampliar a ocorrência deste surto nos municípios e cidades vizinhas, podendo esta dispersão ocorrer tanto devido aos grupos e famílias de capivaras se deslocando ao longo da bacia do Rio Doce e áreas alagadas ou com água represada, em busca de alimentação e refúgio; bem como por equinos, cães, animais silvestres, tanto mamíferos, quanto aves", completa o especialista.
Ações
"O decreto é para comprarmos os insumos todos que precisamos para combater a febre maculosa, contratar gente para fazer limpeza de margem de rio. Passar a dar banho de carrapaticida nos animais domésticos, e fazer panfleto de propaganda contra febre", explica o engenheiro ambiental da prefeitura, Pedro Miranda.
Segundo a prefeita de Santa Cruz do Escalvado, Sônia Maria Untaler, os dois homens que morreram (Dalci Antônio da Silva, de 52 anos, e Milton Vieira da Silva, de 54) eram vizinhos e viviam na mesma comunidade, em Porto Plácido. “Emiti o decreto emergencial para podermos realizar ações emergenciais, para que esse surto não se espalhe na nossa população, nem para cidades vizinhas. É necessária a contratação de pessoas para atuar na zona rural, fazer limpeza na beira do rio, uma vez que 80% da nossa população está lá”, diz.
“Precisamos saber as condições que temos para atuarmos prontamente. Não estou com esperança de receber recursos do estado ou do governo federal, vamos ter de trabalhar com caixa próprio mesmo. Há 40 anos, tivemos um surto similar na região e precisamos atuar rapidamente para não termos mais mortes”, completa a prefeita.
Orientações
De acordo com o professor Cláudio Mafra, do Laboratório de Parasitologia e Epidemiologia Molecular, do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da UFV, o objetivo de adotar ações preventivas e educativas na comunidade de Santa Cruz do Escalvado é para reduzir de imediato o risco de que capivaras se desloquem para áreas onde há aglomerados de pessoas, orientar a população que faz uso de cavalos sobre como ter cuidado com o banho dos animais, além de uma série de outras medidas para evitar a dispersão dos carrapatos na região.
“Se conseguirmos diminuir oferta de alimentos para as capivaras em áreas próximas onde há muitas pessoas, os animais se afastam. Precisamos orientar crianças, jovens, adultos e profissionais de saúde sobre os riscos da febre maculosa. Como os sintomas da doença são muito similares a de outras enfermidades – dor pelo corpo, febre e dor de cabeça – é muito importante que seja investigado, já no ato da consulta, se a pessoa esteve na área rural e se se lembra de alguma picada de carrapato”, explica o professor.
Entre as orientações imediatas que serão passadas à população local estão:
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Noções básicas de higiene;
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Se entrar na mata, o que fazer com o carrapato que encontrar no corpo;
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Fazer roçadas próximas às margens do Rio Piranga e das residências;
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Aumentar a insolação de algumas áreas, mantendo o capim baixo, para diminuir o tempo de vida da larva, que desidrata mais rapidamente;
Segundo Mafra, o primeiro atendimento faz toda a diferença no caso da febre maculosa, para que seja definida a terapia medicamentosa, que tem eficácia de 100% caso o diagnóstico seja dado nos dois ou três primeiros dias de contato com . “O problema é que são necessários exames complementares e os laudos confirmando a febre só saem em 30 dias”, acrescenta.
Para detectar a febre maculosa no Brasil, os médicos só podem enviar os exames coletados para quatro laboratórios autorizados pelo Ministério da Saúde a fazer o diagnóstico: Funed, em Minas; Fiocruz (RJ), um do Paraná; e o Adolfo Lutz, em São Paulo. As amostras são distribuídas de acordo com a localização do caso, pelo MS. “Laboratórios da rede privada não tem material para fazer esse diagnóstico”, diz o professor.
O ciclo do carrapato
O ciclo de dispersão da bactéria Rickettsia rickettsii, que provoca a febre maculosa em humanos, ocorre da seguinte forma: o carrapato fêmea põe ovos e vai ter uma prole. Em cada postura, pode colocar de 7 mil a 10 mil ovos.
A larva do carrapato, já eclodida, pode ficar se três a 12 meses no ambiente, sem se alimentar.
Se o carrapato fêmea se alimentou do sangue de um algum vertebrado silvestre (gambá, rato, cavalo, capivara) que está num pico de infecção pela bactéria Rickettsia rickettsii ou se herdou da mãe a bactéria, pode passar para parte da sua prole, na chamada transmissão transovariana.
Se os animais estão infectados com a bactéria e o carrapato suga seu sangue, e o homem entra em contato com o carrapato, ele é contaminado e a doença se mantém nessa região.