Incertezas da Renova marcam primeira Audiência Pública do Licenciamento Ambiental das obras de reativação de Candonga

Publicado em: 20/10/2020

Além dos diversos problemas ocorridos nos serviços de infraestrutura e comunicação para com os atingidos, de responsabilidade da Fundação Renova, durante a primeira Audiência Pública virtual/presencial do processo de Licenciamento Ambiental Corretivo das obras de manejo de rejeito no Território, realizada em dia 15 de outubro, os atingidos de Rio Doce, Santa Cruz do Escalvado e da Comunidade de Chopotó (Ponte Nova) apresentaram  vários questionamentos acumulados nos últimos cinco anos após o rompimento da barragem de Fundão. Infelizmente, as respostas da Fundação Renova foram evasivas, não convincentes e não trouxeram segurança para os atingidos.

A Audiência Pública foi presidida pelo Superintendente de Assuntos Prioritários da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMAD), Rodrigo Ribas, que iniciou a sessão explicando as normas a todos participantes. Raquel Starling, diretora dos programas socioambientais e socioeconômicos da Fundação Renova, apresentou o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), em formato de texto e vídeo.

Ela citou alguns serviços que, de acordo com ela, estão em andamento no Território, como os monitoramentos da qualidade da água, do ar e do ruído, além de trechos onde houve recuperação florestal. No entanto, os atingidos não ficaram convencidos, pois os boletins de monitoramento não trazem informações claras e os trechos de recuperação florestal não são identificados por eles. As poucas áreas onde houve plantio de mudas, não receberam devida manutenção, podendo ser visualizadas nestes locais muitas mudas secas, já sem vida.

Ela ainda citou o andamento de obras compensatórias previstas no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre a Fundação Renova, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMAD) e o município de Rio Doce. Todavia, para os atingidos de Santa Cruz do Escalvado nada pode ser citado, pois o município ainda não foi contemplado com nenhuma compensação ambiental.

Muitas informações sobre as obras de manejo de rejeito apresentadas no vídeo da Fundação Renova não condizem com a realidade. Logo no início, o apresentador diz que o vídeo traz o “trabalho de reparação que vem sendo feito no entorno do reservatório de Candonga”, todavia, nada foi reparado até o momento. O que a Renova considera reparação no vídeo são suas obras de manejo de rejeito que foram, até o momento, ineficientes e ocasionaram novos danos ambientais.

Em outro trecho do vídeo “o fato do rejeito parar ali foi fundamental para diminuir os danos na Bacia do Rio Doce e suas margens”, a Fundação Renova quis dizer que o fato da barragem da UHE Risoleta Neves ter acumulado em seu reservatório todo o volume de rejeito existente foi benéfico, pois evitou que todo o material chegasse até a foz, no Espírito Santo. A Fundação se contradiz, já que em momento de negociação, quer equivaler o valor de indenização de outros territórios a jusante às indenizações dos atingidos de Santa Cruz do Escalvado/Chopotó e Rio Doce, o que não faz sentido, pois são realidades diferentes.

Outra manifestação: “Mas estas áreas não foram suficientes para guardar todo material, outros espaços começaram a ser estudados, e o local escolhido foi a Fazenda Floresta porque os impactos ambientais seriam menores, porque ali havia pastagens degradadas”. Em relação a isso, cabe esclarecer que a Fazenda Floresta foi adquirida ainda em 2016.  Os setores foram utilizados posteriormente, já que o projeto de dragagem do rejeito - que é 2,5 vezes mais pesado que água - em um nível mais elevado, inviabilizou o bombeamento para Fazenda Floresta. O rejeito então precisou ser dragado para antiga área de São Sebastião do Soberbo (nível próximo ao do Lago, de onde o rejeito estava sendo dragado), passar por processo de secagem, ser transportado por caminhões para os setores e depois empilhado nos nestes locais e na Fazenda Floresta. No mais, não havia degradação na Fazenda Floresta. O que provocou uma grande degradação da Fazenda, percebidas até nas fotos apresentadas no site da Renova, foram as obras lá promovidas, sem que se tivesse um projeto previamente aprovado. Chegou-se ao absurdo de se iniciar a construção de uma barragem de rejeitos na Fazenda, com crista/altura prevista de 40 metros, que colocaria em risco o povoado de Santana do Deserto, levando grande apreensão aos moradores da localidade.

Várias manifestações da Fundação Renova foram desmentidas pelos atingidos, como o alegado grande número de contratação de mão-de-obra local e a anunciada possibilidade de se exercer atividades como a faiscação. Os atingidos reafirmam que a presença do rejeito no lago da UHE Risoleta Neves compromete o modo de vida de todos e representa o cenário de maior dano ambiental para o Território.

Juliana Bedoya, coordenadora das ações de manejo de rejeito pela Fundação Renova, afirmou que os peixes do rio Doce podem ser consumidos. No entanto, ela foi convidada por atingidos a levar seus familiares para comer os peixes do Território, para comprovar essa pretensa segurança. Não há estudos finalizados e publicados que confirmam a afirmação da técnica da Renova, estando o tema judicializado na 12ª Vara Federal de Justiça pela discordância da Fundação de Estudos Independentes que demostram altos níveis de elementos tóxicos na água.

Outro ponto relevante na fala dos atingidos foi a falta de apresentação de projetos de reforço para barragem da UHE Risoleta Neves que garantam segurança para retenção de todo volume existente de rejeito no Lago (Cenário 3 apresentado no RIMA). Os atingidos destacaram, também, a insistência da Renova em considerar como o melhor o cenário aquele que mantém o rejeito no lago e na calha do rio. Os atingidos consideram que este cenário implica na manutenção da perda de qualidade de vida para as comunidades.

Outras situações foram indagadas pelos atingidos: Qual o órgão público que assumirá a responsabilidade futura caso ocorra algum problema com os barramentos A, B e C? Quem responderá pelas obras e seus impactos, a Renova ou a Samarco? Em 5 de novembro de 2015, alguém perguntou para os moradores do Território se o rejeito poderia ter sido jogado aqui? Se não retirarem o rejeito do Lago da Usina, como vai ficar a comunidade de Santana do Deserto? Quando o rio estará pronto para os pescadores retornarem suas atividades? Como o produtor rural deve se proceder quando nos períodos chuvosos o rejeito atingir novas áreas em sua propriedade?

Sebastião Geraldo da Silva (Tião), um dos representantes dos atingidos de Santa Cruz do Escalvado, entregou o Plano de Desenvolvimento Territorial Integrado (PDTI), construído em conjunto com as comunidades atingidas, para Rodrigo Ribas. Antônio Carlos da Silva, também representando os atingidos de Santa Cruz do Escalvado, reforçou a solicitação de atendimento através obras definidas no PDTI e atendimento aos acordos de valores de reparação aos atingidos e de reativação econômica. 

José Maurício Pereira, representando os atingidos de Rio Doce, apresentou várias questões em relação a presença do rejeito. Como engenheiro civil e conhecedor das estruturas da UHE Risoleta Neves (Candonga), ele avaliou estudos e informou que existem hoje no Lago cerca de 18 milhões de m³ de rejeito. Ele acredita que 10 milhões de m³ ficaram acumulados na época do rompimento, mas com a construção dos três barramentos e o carreamento em períodos chuvosos, outros 8 milhões de m³ ficaram retidos no reservatório. 

Formalização de solicitações e de denúncias

Falando pelo Centro Rosa Fortini, o Professor Luiz Fontes apontou diversas incoerências e contradições nas manifestações da Renova. Uma delas foi a afirmação de que as atividades de faiscação poderiam ser retomadas. O consultor da ATI ponderou que as atividades de faiscação, do chamado “ouro de aluvião”, talvez nunca mais possam ser retomadas. Estudos publicados em 2020 demonstraram que as camadas de rejeitos e de “lag layer” recobriram os materiais minerais do leito do rio, incluindo os remanescentes auríferos, impedindo o acesso ao precioso metal. Abordou, ainda, uma particularidade especial dos municípios de Rio Doce e de Santa Cruz do Escalvado): este Território foi impactado, ao longo de mais de uma década, em quatro diferentes situações – a primeira, com as obras de construção da UHE Candonga e a formação do Lago; a segunda, com os rejeitos de Fundão; a terceira, com as inúmeras obras na fazenda Floresta e entorno, muitas delas já perdidas e, agora, pela quarta vez, com as obras para a reativação da UHE.   

Em suas considerações finais, o representante da Assessoria Técnica dos Atingidos (Centro Rosa Fortini), Professor Luiz Fontes, encaminhou formalmente três solicitações à SEMAD: a primeira é a realização de uma segunda audiência pública, tendo em vista melhor preparação dos atingidos e insuficiência de tempo para análise das informações complementares ao EIA/RIMA.

O Centro Rosa Fortini e as Comissões de Atingidos só tiveram acesso às informações complementares entregues pela Renova no dia 06 de novembro, nove dias apenas antes da Audiência Pública. Devido ao grande volume de informações, não foi possível analisar todo o material antes da audiência.

A segunda solicitação foi de um prazo de 15 dias para que o Centro Rosa Fortini apresente, em nome das Comissões de Atingidos, um parecer técnico sobre o EIA/RIMA e suas informações complementares. E a terceira solicitação foi que a SUPPRI e a SEMAD verifiquem uma forma de implementação de mecanismos efetivos e monitoramento de diálogo da Renova para com os atingidos, pois até hoje não há confiança no processo de comunicação da Fundação.

Audiência Pública Virtual

A Audiência Pública do processo de Licenciamento Ambiental das obras de manejo de rejeito foi a primeira a ser realizada de forma virtual em Minas Gerias e a quinta no Brasil, segundo informações do Rodrigo Ribas, que presidiu a mesma.

A data de realização da Audiência Pública foi determinada pela 12ª Vara Federal de Justiça de Belo Horizonte e o formato virtual foi autorizado, em agosto, pela Resolução Conama 494, devido aos protocolos necessários para a prevenção da Covid-19.

A apresentação da Fundação Renova ocorreu em Belo Horizonte e contou com a participação presencial de alguns atingidos e técnicos da Assessoria Técnica Independente Centro Rosa Fortini.

O Território contou com três pontos presenciais (com limite de participação), dois locais com transmissão via telão e distribuição de tablets em cinco comunidades pela Fundação Renova. Os técnicos do Centro Rosa Fortini deram apoio aos atingidos com reuniões preparatórias e durante a Audiência Pública. Os locais com participação presencial também contaram com suporte de um servidor da SEMAD em cada.

Impedimentos

Muitos atingidos não conseguiram se cadastrar de suas casas para fazerem perguntas através das ferramentas online disponibilizadas. Na comunidade de Santana do Deserto houve problemas com o gerador de energia, os equipamentos foram desligados. Na comunidade do Merengo, apesar do telão transmitindo a Audiência, os atingiram ficaram impossibilitados de participarem ou questionarem devido à falta de rede de Internet liberada (wifi). Nas demais comunidades, onde foram disponibilizados tablets, a ausência de treinamento e o distanciamento da ferramenta da realidade da comunidade não levou a uma adesão dos atingidos.

A participação presencial dos atingidos ficou restrita, pois demandou inscrição prévia. A participação com fala do atingido só pode ser solicitada após cadastro e no período de uma hora no início da Audiência Pública, através de chat, zoom, WhatsApp ou 0800.

Muitos atingidos tiveram suas falas interrompidas devido aos problemas de transmissão. Eles também disseram que o tempo foi muito curto perante a quantidade de dúvidas e incertezas no Território.Entendendo a audiência pública como um espaço de diálogo, interlocução e esclarecimentos para com a sociedade impactada pelo empreendimento em licenciamento, é importante destacar que, apesar das dificuldades relatadas acima, a participação dos atingidos demostrou claramente a falta de transparência e o distanciamento da Fundação Renova em proporcionar soluções efetivas ao processo de reparação e compensação da comunidade atingida nestes últimos 05 anos.

Reunião transmitida para a comunidade do Jorge - Rio Doce

Atingidos de Santa Crus do Escalvado assistiram a Audiência Pública na quadro do Novo Soberbo

Atingidos também assistiram a Audiência Pública na quadra da Escola da comunidade de Novo Soberbo

Sebastião entrega ao presidente da Audiência Pública, Rodrigo Ribas, o Plano de Desenvolvimento Territorial Integrado (PDTI) de Santa Cruz do Escalvado

Atingidos de Rio Doce assistiram à Audiência Pública no Múltiplo Uso

Participação de Antônio Aúreo, um dos representantes dos atingidos de Rio Doce.

Em Santana do Deserto, um telão foi instalado para transmissão da Audiência Pública, mas houve problema com o gerador de energia

Atingidos participaram também da Audiência Pública no Espaço Vista-BH

 

Cartazes com mensagens dos atingidos

 

 

Fotos: Santana: Luiza Vitral; Jorge: Mariele; Quadra Escola: Aurea; Quadras em Nova Soberbo e Múltiplo Uso(Rio Doce): Flávio Martins.


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