As Instituições de Justiça (IJs) ajuizaram uma Ação Civil Pública (ACP) contra a Fundação Renova, Samarco/Vale e a BHP Billiton que visa o reconhecimento dos danos ocasionados às mulheres atingidas durante os procedimentos de reparação de danos decorrentes do rompimento da barragem de Fundão, de 2015. A Ação requer também, o pagamento de indenização por danos materiais e danos morais sofridos.
Com a ação, as IJs colocaram em evidência que as mulheres atingidas sofrem uma série de violações de direitos praticados pelas empresas e executados pela Fundação Renova, especialmente durante a implementação do PG01 da Fundação Renova, que trata sobre ‘Levantamento e Cadastro’.
Foi pontuado em relatório elaborado pela Defensoria Pública, e juntado à ação, que tem sido praticado uma falta de integração entre as iniciativas de reparação, políticas públicas, mesas de diálogos formadas por mulheres e a exclusão da matriz de danos de atividades laborais tipicamente femininas.
As IJs destacaram que o fato de a Fundação Renova colocar o conceito de família patriarcal como única espécie, é uma violação de direitos, pois foi desconsiderando casos onde a mulher é a chefe de família, a provedora do lar, por exemplo. Isso gerou uma série de problemas, entre eles dificuldades de acesso aos dados inseridos na plataforma da Fundação Renova, uma vez que para pedir correções em possíveis erros, é necessário autorização dos maridos/companheiros.
Por causa disso, a ACP, assinada pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Espírito Santo (MPES), a Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG), a Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES) e a Defensoria Pública da União (DPU), pede que:
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As empresas e a Fundação Renova promovam, emergencialmente, a atualização, revisão e correção do cadastro de todas as mulheres cadastradas ou com solicitações de cadastro pendentes, a partir de requerimentos individualizados já apresentados e a serem apresentados pelas mulheres atingidas;
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Que as requeridas apresentem em juízo todas as manifestações formalizadas na Ouvidoria da Fundação Renova e promovam a atualização, revisão e correção do cadastro de todas as mulheres atingidas;
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Que permitam a todas as mulheres cadastradas na Fase 01, prioritariamente, o acesso imediato ao AFE, PIM e NOVEL, de modo que a sanear as informações pendentes para o correto enquadramento na categoria pleiteada pela mulher;
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Que realizem o pagamento integral, inclusive retroativo e atualizado, de todas as verbas devidas e não recebidas pelas mulheres atingidas.
O pedido de atualização, revisão e correção de cadastro das mulheres atingidas procura possibilitar a inclusão ou correção de toda informação que seja necessária para fundamentar a sua elegibilidade e permitir o seu acesso direto ao Auxílio Financeiro Emergencial (AFE), ao Programa de Indenização Mediada (PIM) e ao Sistema Indenizatório Simplificado (Novel).
Além disso, entre os pedidos apresentados à Justiça, está o pagamento de indenização por danos morais coletivos e danos sociais. É importante destacar que essas indenizações são destinadas a fundos públicos, geridos por órgãos do estado para aplicação em políticas públicas que beneficiem à coletividade.
Quem são essas mulheres atingidas?
Para as finalidades desta ação civil pública, as Instituições de Justiça especificam que “mulher atingida” são:
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Aquelas que estão cadastradas no PG01 da Fundação Renova e já obtiveram respostas quanto a inclusão em outros programas reparatórios, seja essa resposta positiva ou negativa;
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Aquelas que solicitaram o cadastramento junto a essa Fundação até 2021, mas que ainda estão esperando algum retorno da Renova.
Como isso impacta a região do Rio Doce, Santa Cruz do Escalvado e Chopotó?
O ajuizamento dessa ação representa o avanço positivo e necessário para a garantia de direitos e um tratamento mais atencioso as demandas e prejuízos das mulheres do Rio Doce, Santa Cruz do Escalvado e Chopotó e de toda bacia do Rio Doce e litoral capixaba, tendo em vista que os danos originados com o rompimento da barragem do Fundão foram acentuados com um cadastramento defeituoso e um atendimento discriminatório por parte dos responsáveis pelo desastre-crime.
Essa é a primeira vez que foi inaugurado um processo específico para as necessidades das mulheres no âmbito do julgamento de um delito socioambiental. Como se trata de uma novidade, há também desafios. Dentre os pontos de atenção, é que essa é uma decisão de primeira instância, ou seja, existe a possibilidade da Fundação Renova e mineradoras recorrerem a um tribunal para modificar o teor da decisão judicial e tentar diminuir a quantidade de providências requeridas pelas Instituições de Justiça. Além disso, há também impacto no Cadastro, AFE e PIM para as mulheres, porque embora haja um pedido para serem realizadas as correções de forma emergencial, não existe ainda previsão de datas exatas para início e retomadas de pagamentos.
Destacamos que o cadastramento no PG01 - Levantamento e Cadastro da Fundação Renova, não foi reaberto. O que acontece no cenário atual é que o Poder Judiciário está fazendo um esforço para que falhas dos cadastros realizados até 2021 sejam corrigidas.
Nesse sentido, o Juízo da 4ª Vara Federal Criminal de Belo Horizonte tem cobrado da Fundação Renova justificativas quanto a demora no atendimento e nas falhas de segurança quanto aos cadastros pendentes, assim como a determinação de prazos para a entrega dessas informações. É importante lembrar que toda pessoa atingida tem o direito de acessar e revisar seus dados de cadastro junto a Fundação Renova, conforme disposto na LGPD e na cláusula 28 do TTAC (Termo de Transação e Ajustamento de Conduta).
Ainda não se tem uma definição sobre os pedidos específicos para as mulheres indígenas e de povos e comunidades tradicionais, como os faiscadores e areeiras, tampouco sobre aquelas que ainda não puderam se cadastrar no PG01 da da Renova . Por essa razão é importante manter a mobilização popular para o acompanhamento das próximas das próximas movimentações desse processo
Quem fará a atualização, revisão e correção dos cadastros?
É dever da Fundação Renova realizar qualquer atualização, revisão ou correção dos cadastros das mulheres atingidas.
Qual a tarefa da Assessoria Técnica Independente (ATI) Rosa Fortini nesse processo?
A ATI Rosa Fortini continuará orientando e respondendo dúvidas sobre ações civis públicas e programas reparatórios, no sentido de fortalecer a participação informada das pessoas atingidas do Rio Doce, Santa Cruz do Escalvado e Chopotó. Chamamos atenção sobre o cadastramento ser atividade da Fundação Renova, sendo diferente da atuação desenvolvida pela ATI. Dessa forma, o Centro Rosa Fortini pode auxiliar na sistematização de informações em situações excepcionais, a pedido dos povos e comunidades tradicionais do território, ou seja, a assessoria técnica não tem nenhum poder decisório no resultado do cadastramento.
Quais são os próximos passos?
Este é um momento de cautela, pois cabe às empresas e a Fundação Renova o direito de recurso, ou seja, elas podem contestar essa ação civil pública. Assim, orientamos as pessoas atingidas do Rio Doce, Santa Cruz do Escalvado e Chopotó a não assinar quaisquer documentos sem entender o conteúdo deles, permanecerem atentas ao andamento da ACP e, quando surgirem dúvidas, entrar em contato com a ATI Rosa Fortini.
Texto: Mariana Duarte (Comunicação ATI Rosa Fortini), com apoio de Renzyo Costa (Jurídico ATI Rosa Fortini) e informações do MP-MG.